sábado, 21 de maio de 2016

Documento subscrito pela Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica Martim de Freitas: EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E DO SERVIÇO PÚBLICO DE EDUCAÇÃO


A Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Martim de Freitas subscreveu, no passado dia 20 de maio o documento que se transcreve, por se rever em todos os aspetos apresentados.


EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E DO SERVIÇO PÚBLICO DE EDUCAÇÃO

Entre 2011 e 2014 o investimento na Educação sofreu uma brutal regressão que se traduziu em cortes de mais de 2.000 milhões de euros no orçamento de Estado. Invocando a quebra demográfica e os condicionalismos impostos pelo Memorando da Troika, o governo aplicou um conjunto de medidas de racionalizaçãoda rede educativa e dos recursos financeiros, impondo a constituição de mega agrupamentos, encerrando centenas de escolas, promovendo alterações aos planos curriculares de ensino e aumentando o número de alunos por turma, em resultado das quais foram lançados no desemprego milhares de professores, potenciando a deterioração das condições de ensino nas escolas públicas.
Ao mesmo tempo, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo viram aumentadas as subvenções estatais para o financiamentode contratos de associação que, no caso do concelho de Coimbra, ultrapassaram largamente mais de 40 milhões de euros, duplicando a oferta escolar onde a rede pública é mais do que suficiente e se encontra com um número de turmas muito abaixo das suas capacidades instaladas.
Em 2015, quando o Memorado de Entendimento sobre a Condicionalidade Económica (MECPE) era invocado para impor a austeridade e o rigor orçamental, o governo decidiu reforçar o papel dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo ao arrepio do próprio Memorando que estabelecia claramente a necessidade de reduzir e racionalizar as transferências para as escolas privadas com contratos de associação[1].
Assim, não só aumentou o valor de financiamento das turmas com contrato de associação em mais 5 mil euros do que havia sido estabelecido pelo anterior governo[2], como também procedeu à alteração do Estatutode Ensino Particular e Cooperativo (EPC)[3], deixando cair a principal exigência para a assinatura de contratos de associação, tal como estava previsto desde 1980: a inexistência de oferta pública na área.[4] Outras alterações substantivas decorrentes do novo Estatuto de EPC foi a colocação da rede de estabelecimentos de educação e ensino privado no mesmo plano da rede pública. Contrariando o preceito constitucional que no artigo 75.º atribui ao Estado o dever de criação de “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”, o governo afirma que deixa de constituir “prioridade do Estado a construção de equipamentos escolares nas zonas onde existe oferta” privada.
Por outro lado, ainda, concede às escolas privadas plena autonomia pedagógica através da consagração da flexibilidade na gestão do currículo, conferindo-lhes, inclusivamente, o direito de criar e aplicar planos curriculares próprios, pondo fim ao “paralelismo pedagógico” com as escolas da rede pública,[5] autonomia que é recusada às escolas públicas, criando mais um fator de diferenciação e discriminação que objetivamente beneficia as escolas privadas com contrato de associação.
Em julho de 2015, o governo lança um concurso público para a celebração de novos contratos de associação. No concelho de Coimbra, o governo concede a abertura de mais 48 turmas de 5.º, 7.º e 10.º anos de escolaridade que, sobrepondo-se à oferta da escola pública e por isso mesmo redundante, custarão ao erário público 3 milhões e 864 mil euros. Isto, num concelho em que as escolas públicas se encontram subaproveitadas e estão em condições de assegurar resposta educativa de qualidade a todos os alunos que frequentam o ensino privado com contrato de associação.
Esta orientação consagra uma política de dois pesos e duas medidas: para as escolas privadas, reforço de financiamento e concessão de plena autonomia; para as escolas públicas, imposição de monumentais cortes de financiamento e cerceamento da autonomia pedagógica.
Assim e atendendo a que:
·         o concelho de Coimbra possui uma rede de escolas públicas bem apetrechadas de recursos materiais e humanos, que garantem um ensino inclusivo e de excelente qualidade para todos, dando plena resposta às necessidades educativas da sua área geográfica;
·         estando constitucionalmente garantido o direito de aprender e ensinar e o consequente direito de criação de escolas particulares e cooperativas (art.º 43 da CRP), nada obriga ao seu financiamento público, sendo que este apenas deve ser equacionado numa perspetiva de subsidiariedade, onde não exista oferta pública ou esta seja insuficiente;

·         a manutenção de financiamento de contratos de associação em áreas onde existe oferta pública configura uma redundância de oferta educativa que se traduz num despesismo e numa irracionalidade na perspetiva de uma boa gestão de recursos públicos, configurando uma injustificável manutenção de uma renda a interesses privados;

·         a oferta de uma educação de qualidade, inclusiva, universal e gratuita que garanta o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, tal como determina o art.º 74.º da CRP, pressupõe uma aposta no reforço da autonomia das escolas e do seu financiamento público;

·         a instrumentalização do argumento da liberdade de escolha das famílias e do princípio da concorrência entre público e privado visa imprimir ao sistema de ensino uma lógica de mercantilização que tende a agravar a assimetria entre escolas e a sua estratificação, desvirtuando o papel central do Estado de garantia de um ensino de qualidade, inclusivo, universal e gratuito.

Os diretores de escolas não agrupadas e de agrupamentos de escolas, os presidentes dos conselhos gerais, representantes e/ou membros das associações de pais e encarregados de educação abaixo assinados afirmam a necessidade de cumprir os imperativos constitucionais na defesa da escola pública como eixo central na política educativa e garantia da consecução de uma escola democrática, inclusiva, universal, gratuita e de qualidade para todos.
18 de maio de 2014




[1] MECPE “1.8. Reduzir custos na área de educação, tendo em vista a poupança de 195 milhões de euros, através da racionalização da rede escolar […] e reduzindo e racionalizando as transferências para escolas privadas com contratos de associação”.
[2] O XVIII governo reduziu o valor do subsídio das turmas com contrato de associação de 114.000 euros para 80.080 euros. O XIX governo aumentou para 85. 288 euros.
[3] Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro.
[4] Decreto-Lei n.º 553/80 de 21 de novembro. Art.º 14.1 “ Os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carenciadas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano”.
[5] Portaria n.º 59/2014 de 7 de março, confere aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo plena autonomia pedagógica, consagrando a flexibilidade na gestão do currículo, conferindo-lhes o direito de criar e aplicar planos curriculares próprios.