A Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Martim de Freitas subscreveu, no passado dia 20 de maio o documento que se transcreve, por se rever em todos os aspetos apresentados.
EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E DO
SERVIÇO PÚBLICO DE EDUCAÇÃO
Entre 2011 e 2014 o investimento na
Educação sofreu uma brutal regressão que se traduziu em cortes de mais de 2.000
milhões de euros no orçamento de Estado. Invocando a quebra demográfica e os condicionalismos
impostos pelo Memorando da Troika, o governo aplicou um conjunto de medidas de
racionalizaçãoda rede educativa e dos recursos
financeiros, impondo a constituição de mega agrupamentos, encerrando centenas
de escolas, promovendo alterações aos planos curriculares de ensino e aumentando o número de alunos por turma, em resultado
das quais foram lançados no desemprego milhares de professores, potenciando a
deterioração das condições de ensino nas escolas públicas.
Ao mesmo tempo, os estabelecimentos
de ensino particular e cooperativo viram aumentadas as subvenções estatais para
o financiamentode contratos de associação que, no caso do concelho de Coimbra,
ultrapassaram largamente mais de 40 milhões de euros, duplicando a oferta escolar
onde a rede pública é mais do que suficiente e se encontra com um número de
turmas muito abaixo das suas capacidades instaladas.
Em 2015, quando o Memorado de
Entendimento sobre a Condicionalidade Económica (MECPE) era invocado para impor
a austeridade e o rigor orçamental, o governo decidiu reforçar o papel dos
estabelecimentos de ensino particular e cooperativo ao arrepio do próprio
Memorando que estabelecia claramente a necessidade de reduzir e racionalizar as
transferências para as escolas privadas com contratos de associação[1].
Assim, não só aumentou o valor de
financiamento das turmas com contrato de associação em mais 5 mil euros do que
havia sido estabelecido pelo anterior governo[2],
como também procedeu à alteração do Estatutode Ensino Particular e Cooperativo
(EPC)[3],
deixando cair a principal exigência para a assinatura de contratos de
associação, tal como estava previsto desde 1980: a inexistência de oferta
pública na área.[4] Outras
alterações substantivas decorrentes do novo Estatuto de EPC foi a colocação da
rede de estabelecimentos de educação e ensino privado no mesmo plano da rede
pública. Contrariando o preceito constitucional que no artigo 75.º atribui ao
Estado o dever de criação de “uma rede de
estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a
população”, o governo afirma que deixa de constituir “prioridade do Estado a construção de equipamentos escolares nas zonas onde
existe oferta” privada.
Por outro lado, ainda, concede às
escolas privadas plena autonomia pedagógica através da consagração da
flexibilidade na gestão do currículo, conferindo-lhes, inclusivamente, o
direito de criar e aplicar planos curriculares próprios, pondo fim ao
“paralelismo pedagógico” com as escolas da rede pública,[5]
autonomia que é recusada às escolas públicas, criando mais um fator de
diferenciação e discriminação que objetivamente beneficia as escolas privadas
com contrato de associação.
Em julho de 2015, o governo lança um
concurso público para a celebração de novos contratos de associação. No
concelho de Coimbra, o governo concede a abertura de mais 48 turmas de 5.º, 7.º
e 10.º anos de escolaridade que, sobrepondo-se à oferta da escola pública e por
isso mesmo redundante, custarão ao erário público 3 milhões e 864 mil euros.
Isto, num concelho em que as escolas públicas se encontram subaproveitadas e
estão em condições de assegurar resposta educativa de qualidade a todos os
alunos que frequentam o ensino privado com contrato de associação.
Esta orientação consagra uma política
de dois pesos e duas medidas: para as escolas privadas, reforço de
financiamento e concessão de plena autonomia; para as escolas públicas,
imposição de monumentais cortes de financiamento e cerceamento da autonomia
pedagógica.
Assim e atendendo a que:
·
o
concelho de Coimbra possui uma rede de escolas públicas bem apetrechadas de
recursos materiais e humanos, que garantem um ensino inclusivo e de excelente qualidade
para todos, dando plena resposta às necessidades educativas da sua área
geográfica;
·
estando
constitucionalmente garantido o direito de aprender e ensinar e o consequente
direito de criação de escolas particulares e cooperativas (art.º 43 da CRP),
nada obriga ao seu financiamento público, sendo que este apenas deve ser
equacionado numa perspetiva de subsidiariedade, onde não exista oferta pública
ou esta seja insuficiente;
·
a
manutenção de financiamento de contratos de associação em áreas onde existe
oferta pública configura uma redundância de oferta educativa que se traduz num
despesismo e numa irracionalidade na perspetiva de uma boa gestão de recursos
públicos, configurando uma injustificável manutenção de uma renda a interesses
privados;
·
a
oferta de uma educação de qualidade, inclusiva, universal e gratuita que
garanta o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, tal
como determina o art.º 74.º da CRP, pressupõe uma aposta no reforço da
autonomia das escolas e do seu financiamento público;
·
a
instrumentalização do argumento da liberdade de escolha das famílias e do
princípio da concorrência entre público e privado visa imprimir ao sistema de
ensino uma lógica de mercantilização que tende a agravar a assimetria entre
escolas e a sua estratificação, desvirtuando o papel central do Estado de
garantia de um ensino de qualidade, inclusivo, universal e gratuito.
Os diretores de escolas não agrupadas e de agrupamentos de escolas, os
presidentes dos conselhos gerais, representantes e/ou membros das associações
de pais e encarregados de educação abaixo assinados afirmam a necessidade de
cumprir os imperativos constitucionais na defesa da escola pública como eixo
central na política educativa e garantia da consecução de uma escola
democrática, inclusiva, universal, gratuita e de qualidade para todos.
18 de maio de 2014
[1] MECPE
“1.8. Reduzir custos na área de educação, tendo em vista a poupança de 195
milhões de euros, através da racionalização da rede escolar […] e reduzindo e
racionalizando as transferências para escolas privadas com contratos de
associação”.
[2] O XVIII
governo reduziu o valor do subsídio das turmas com contrato de associação de
114.000 euros para 80.080 euros. O XIX governo aumentou para 85. 288 euros.
[3]
Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro.
[4]
Decreto-Lei n.º 553/80 de 21 de novembro. Art.º 14.1 “ Os contratos de
associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas
carenciadas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano”.
[5] Portaria
n.º 59/2014 de 7 de março, confere aos estabelecimentos de ensino particular e
cooperativo plena autonomia pedagógica, consagrando a flexibilidade na gestão
do currículo, conferindo-lhes o direito de criar e aplicar planos curriculares
próprios.